A CONSERVAÇÃO DAS POPULAÇÕES DE PEIXE E A PESCA DE LINHA DESPORTIVA

Nos últimos anos, com o crescimento da população humana em todo o mundo, aliado ao declínio das novas áreas cultiváveis decorrente em parte do próprio crescimento humano, tem havido um crescente interesse nas possibilidades do mar como fonte de alimento. No Brasil, esta preocupação tornou-se evidente com a definição do tema do Prêmio Jovem Cientista, patrocinado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). No ano de 1998, foram premiados os cientistas que apresentaram os melhores projetos para o desenvolvimento do mar como fonte de alimento.

Este interesse levou ao desenvolvimento das áreas de aquacultura marinha e de água doce, bem como ao aprimoramento dos métodos de captura de organismos aquáticos, ou seja, ao desenvolvimento de artefatos de pesca cada vez mais avançados e eficazes, tais como barcos de pesca mais rápidos e equipados, ecosondas para detecção de cardumes, novas redes e iscas artificiais de todos os tipos. No entanto, em função destes avanços e da questão da preservação do meio ambiente e recursos naturais, começaram os estudos sobre os efeitos da pesca sobre as populações naturais de peixes.

Um fator fundamental para a compreensão dos efeitos da pesca é o assim chamado esforço de pesca, que pode ser definido como a quantidade de embarcações ou pessoas envolvidas na exploração de um determinado estoque de peixes. Por exemplo, quanto maior o número de pescadores em uma determinada área, a tendência será à captura de uma quantidade maior de peixes. No entanto, isto só é verdadeiro quando a população de peixes ainda não foi explorada até a sua capacidade máxima de suporte, ou seja, quando indivíduos podem ser retirados daquela população sem que a taxa de reposição (ou seja, para cada indivíduo retirado, um novo indivíduo é reposto, através da reprodução, por exemplo).

Neste contexto, é importante situar a pesca de linha desportiva dentro de um contexto mais amplo, em comparação com a pesca em geral e com a pesca de linha profissional. A pesca profissional é por definição uma atividade econômica, ou seja, é supostamente a atividade principal de seus praticantes, que dependem dela para subsistir economicamente. Por este motivo, o esforço de pesca exercido pela pesca profissional é maior e mais constante, levando às vezes ao que chamamos de sobrepesca. A sobrepesca ocorre quando é exercido um esforço de pesca tão intenso, que a população de peixes sofre uma redução na densidade (número de peixes por unidade de área, por exemplo) e na biomassa (peso dos espécimes, por exemplo). Neste momento, a pesca deveria cessar, para que ocorra a recuperação da população. No entanto, por ser a pesca profissional uma atividade econômica, o que ocorre é um aumento do esforço de pesca para obtenção da mesma quantidade de peixe, levando em muitos casos ao esgotamento da população. Exemplos como este são numerosos e bem documentados na literatura científica.

A pesca desportiva é por sua vez uma atividade eventual, não sendo obviamente a atividade profissional de seus praticantes, o que por si só, já faz com que o esforço de pesca não seja constante. Da mesma forma, por não ser constante, é menos eficaz, e obrigatoriamente deve respeitar as espécies de animais marinhos protegidas e as épocas dos defesos, impostas pela legislação emanada do IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis), com base na ecologia de populações de peixes e no gerenciamento pesqueiro. No entanto, certas práticas vêem sendo adotadas na pesca de linha desportiva, e é importante frisar que nem sempre são embasadas em estudos sérios.

Uma destas práticas é a pesca utilizando o sistema denominado "catch and release" (captura e posterior libertação do peixe), geralmente empregando iscas artificiais, atualmente abundantes no mercado e cada vez mais sofisticadas. É alardeado que este sistema seria o mais "ecologicamente correto", pois o peixe é devolvido ao seu ambiente. No entanto, não existem estudos sérios e confiáveis que comprovem que o peixe, uma vez capturado, sobrevive quando devolvido. Na verdade, alguns fatores opõem-se a esta suposição: o primeiro é a lesão causada pelo artefato de pesca, ou seja, o anzol ou garatéia (mais comum nas iscas artificiais). Esta lesão interna muitas vezes não se restringe à boca, como é de conhecimento de todos os pescadores de linha; o anzol freqüentemente é engolido e vai parar no estômago, e é necessário muitas vezes puxá-lo com força para retirá-lo do peixe, o que lesiona seriamente o trato gastrointestinal do peixe, fazendo com que seja pouco provável que ele sobreviva por muito tempo depois de devolvido. Este problema é especialmente grave na pesca de arremesso e embarcada de fundo, onde o peixe, por abocanhar iscas que se encontram em situação estática no fundo e não em movimento como é o caso das iscas artificiais, tem uma tendência maior para já ter engolido totalmente a isca no momento da ferrada, o que caracteriza o chamado "embuchamento", ou seja, é provocada uma lesão mortal. Além disso, existe o próprio estresse da captura, a famosa "luta", que é uma das sensações da pesca de linha, com o arrasto por distâncias maiores do que aquelas habitualmente existentes na pesca com iscas artificiais. E por fim existem os efeitos da brusca descompressão durante a pesca. Uma vez fisgado, o peixe é trazido rapidamente da sua profundidade normal para a superfície. Ora, mesmo quando o peixe é pescado a 10 metros, o que é bastante raso, ocorre uma redução de 50% da pressão (de duas atmosferas para uma), fazendo com que a bexiga natatória do peixe, preenchida com gases, sofra uma duplicação de volume, provocando o rompimento dos tecidos do peixe, onde a bexiga natatória chega a projetar-se para fora da boca. Este aumento de volume comprime os outros órgãos internos e faz com que o peixe às vezes morra quando chega à superfície. Este fenômeno pode ser facilmente encontrado nos peixes expostos nas feiras livres e peixarias.

Por outro lado, o esforço de pesca é maior quando usado o sistema "catch and release", pois não é gasto tempo com o acondicionamento do pescado, que é devolvido rapidamente. Desta forma, um número maior de peixes é ferido ou morto em um espaço de tempo mais curto, e devolvido à água. Mais ainda, é preciso lembrar que os estudos de ecologia da pesca baseiam-se principalmente nas estatísticas de captura, onde é registrada a quantidade de peixes coletados e onde pode ser efetuado o controle da pesca (por exemplo, tamanho mínimo, época de reprodução e espécies protegidas). Desta forma, a devolução dos peixes à água pode servir como um meio de burlar a fiscalização, a pesquisa e o controle, que, se já são difíceis de realizar em condições normais, tornam-se totalmente impossíveis sem a presença física do espécime.

É também interessante salientar o conhecido destino que é dado aos espécimes capturados nas competições oficiais de pesca, que são exclusivamente aquelas organizadas sob o controle da CBPDS; ou seja, a doação por determinação de lei esportiva da Confederação, para a comunidade carente local. Se pensarmos que o IBAMA, por força de legislação federal vigente, destina o pescado ilegalmente capturado (abaixo do tamanho mínimo permitido, com equipamentos proibidos, etc.) para a mesma comunidade, podemos dizer que a pesca desportiva oficial é ainda mais severa do que o próprio IBAMA em seus procedimentos ecologico-conservacionistas. Dentro do contexto atual, em que o mundo se vira para o desenvolvimento sustentável do mar como fonte de alimento, estamos de pleno acordo com a conhecida frase do presidente da CBPDS: "é preferível mitigar a fome de um pobre do que soltar um peixe morto".

É necessário também avaliar os custos e benefícios de cada prática, e lembrar que direta e indiretamente, nós dependemos da conservação da natureza, tanto para a perpetuação da própria pesca, quanto para a perpetuação da nossa própria espécie. São obviamente necessárias mais pesquisas, imparciais e sérias, para avaliar os verdadeiros efeitos da pesca, uma prática extrativista tão antiga quanto a humanidade e, isto sem radicalismos direcionados para a crucificação da pesca desportiva tradicional, cujo extrativismo é o mais insignificante de todos os praticados e, contudo, cujo custo/benefício é extremamente promissor pela ampla fonte de recursos que gera, a um custo biológico mínimo.

Bernardo A. P. da Gama
Professor de Biologia - Faculdades Maria Thereza
Membro da Comissão Científica da CBPDS

Nota: Orientação aprovada pela CCN
Autorizada a reprodução

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