Um ano histórico 1988 , a Pesca do Brasil estréia num Campeonato Mundial,

FRANÇA
O DESAFIO

RELATÓRIO DA PARTICIPAÇÃO BRASILEIRA NO CAMPEONATO MUNDIAL DE PESCA

 

A Representação brasileira embarcou rumo a França no dia 18/9/1988 pelo Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, fazendo esclala em Londres e chegando em Bordeaux (França) no dia 19 de setembro.

Em Bordeaux fomos calorosamente acolhidos por toda a Direção da FÉDERATION FRANÇAISE DES PÊCHEURS EN MER, pelo Consul do Brasil e por uma desportista francesa com um generoso bouquet de flores. Alí, na sala VIP foi-nos oferecido um Cocktail esplendido e prestadas várias homenagens.

Em seguida viajamos em ônibus especial para a cidade de Hossegor, onde nos hospedamos no Hotel Neptunus indicado pela organização.

Já no dia 20/09 iniciamos a aclimatação, adaptação ao fuso horário e treinamentos nos locais de prova, de forma intensiva diurna e noturna, transportando-nos em ônibus especial para as praias de Hossegor, Capbreton e Biarritz, registrando-se o fato de que eram praias situadas em cidades distintas da costa francesa, demandando pequenas viagens em cada oportunidade.

Procuramos "esconder" nossa pesca dos adversários ao mesmo tempo em que procuravamos absorver as praias e descobrir a "arma secreta" dos donos da casa, a forma de iscar os "vermes" vivos utilizados como isca oficial do Campeonato, importados da Coreia, com os quais nós brasileiros nunca antes haviamos travado conhecimento, vale registrar que a grande maioria dos peixes locais também nos eram totalmente desconhecidos.

Depois de avaliar a performance de nossos atletas os Capitães Masculino e Feminino acordaram em cessar os treinamentos e determinar repouso e tempo livre por um dia, para imprescindível descontração. Mas, durante o repouso dos atletas os Capitães dedicaram-se a observar o treinamento das Equipes dos demais Paises, fazendo diversas descobertas técnicas que foram valiosas para o sucesso da campanha brasileira.

Iniciou-se o Mundial com um belissimo cerimonial de abertura na Praça da Cidade de Hossegor, com as delegações de: França, Brasil, Portugal, Belgica, Alemanha, Espanha, Holanda, Irlanda, Luxemburgo e Italia. Os pavilhões nacionais de todo os Paises foram hasteados ao som dos respectivos hinos, marcando presença nosso Pais nessa oportunidade não somente por estarmos muitissimo bem uniformizados como também pela perfeição de nossa formação e desfile, e, por termos sido o único Pais presente cujos atletas cantaram em voz alta o Hino Nacional no momento do hasteamento de nossa bandeira.

Fomos, mais que todos, calorosamente aplaudidos pelo numeroso público presente, e em nosso desfile rumo ao Cassino de Hossegor, onde foi promovido um almoço de homenagem aos participantes, aplaudidos e objeto de grande atenção da imprensa Européia que concentrou suas atenções em nossa Delegação, o primeiro Pais sulamericano a lograr chegar ao Campeonato Mundial.

Realmente sentiamos que eramos muito admirados e benvindos; mas, que os demais Paises não conseguiam disfarçar que nos consideravam adversários não muito fortes. Em verdade, estavamos conscientes de nossa capacidade, tinhamo-nos preparado para bem representar nossa Pátria e não estavamos alí para brincar, estavamos para lutar, para morrer na raia se isso fosse necessário por nosso Pais, redobrando-se e fortalecendo-se essa disposição cada vez que chegava ao nosso conhecimento um resultado adverso para nosso País nas Olimpiadas em Seul. Sabiamos que a imagem de nosso Brasil Precisava ser resgatada e que o futuro de nossa Pesca dependia de nossa atuação, resumindo estavamos prontos para tudo, explodindo de garra.

A primeira prova, diurna, na Praia de Capbreton desenvolveu-se aguerrida , os atletas de todos os Paises davam tudo de si e a prova era dificil.

O mar dificil, misterioso para nós pois havia mudado totalmente suas características anteriores do período de treinamento, mas, estavamos preparados para tudo. Os adversários com varas de até 6 metros de comprimento, linhas 0,35 mm a 0,40 mm, chumbadas de 150 a 200 gramas com garatéia devido ao violento mar local onde a maré subia 4,7 metros. A areia porosa, grossa, pesadissima que repentinamente cedia e prendia o atleta e os Capitães até o joelho. E, 20 metros para cada atleta, mais de um kilômetro de raia dificil de percorrer tornando excessivo, exaustivo o trabalho de capitania.

Como Capitão masculino , trocando idéias com Sônia nossa Capitã feminina avaliei a situação e verificando que o Atleta Emerson Baldi era o único sem peixe, perguntei ao mesmo se já havia tantado tudo, respondendo-me o mesmo que sim. Faltavam exatamente cinco minutos para o tiro de finalização da prova. Determinei que Emerson mudasse todo o material, disse-lhe como iscar e onde lançar orientando a velocidade de recolhimento com base na observação dos adversários e nossos próprios atletas com peixes. PEIXE NA LINHA. Emerson radiante recobrando o moral e nosso BRASIL CAMPEÃO DA 1ª prova, VICE-CAMPEÃO FEMININO.

Registro que essa ocorrência serviu logo no inicio do Campeonato para completar o clima de confiança da Equipe neste Capitão e conscientizar nossos Atletas que o fato de não capturar peça(s) numa prova é fator normal de nosso esporte perfeitamente possível de recuperação futura. Tivemos reuniões informais diárias de intercâmbio de informações técnicas e isso foi importantissimo para o moral.

A segunda prova, noturna, na Praia de Hossegor foi duríssima. Tivemos a ocorrência de "sargaços" não esperados e nossa linhas 14/20 mm foram muito sacrificadas, isso sem contar com a mudança da área da prova quando os organizadores marcaram a prova num trecho de Praia onde não tinhamos treinado (e os bancos de areia predominaram em frente aos nossos atletas masculinos) forçando-nos para um 5º lugar; mas, nossas atletas lograram cair numa área desimpedida e, nosso BRASIL CAMPEÃO DA 2ª PROVA.

Registramos que nessa oportunidade começamos a ser assediados com furor pela imprensa Européia, a imagem de "inexperientes" se desfez e todos deram-se conta que éramos adversários de 1ª categoria. O BRASIL passou a ser o centro das atenções gerais e a "torcida" dos locais se dividia entre a própria Seleção Francesa e a nossa. A imprensa dai até o final dos Campeonatos dedicou-se quase integralmente à participação Brasileira. A Rádio e Televisão Francesas nos assediavem, era, BRASIL, BRASIL, BRASIL.

A terceira prova, noturna, na Praia de Biarritz para onde se transferiu a Delegação foi igualmente dificílima, nosso homens vinham de um 5º lugar conscientes que tal se deveu à fatores aversos. Nossas mulheres fortes, com moral elevado; mas, todos muito tensos. Um clima de suspense, pairava sobre todos os envolvidos no mundial. Fizemos uma preleção sobre a situação reafirmando nossa confiança reciproca e embora tensos, continuávamos com o desejo, a garra a fluir-nos pelos poros e fomos à luta.

Como Capitão do Brasil , imediatamente antes do tiro de início da prova verifiquei que dois boxes estavam marcados errados e exigi a correção, que foi feita. Com isso um adversário deixou de situar-se exatamente em frente à uma "boca" que sabemos ser o melhor local de pesca. Como falo o idioma Francês pude captar pedaços de informações técnicas passadas pela retaguarda Francesa aos seus atletas, passando-as imediatamente aos nossos Atletas e, isso ajudou bastante.

Terminada a 3ª prova, BRASIL CAMPEÃO DA 3ª PROVA no Ma sculino, BRASIL CAMPEÃO DA 3ª PROVA no Feminino, Eliana Augusto do Brasil capturou o MAIOR PEIXE até então pescado em todo o Mundial. Euforia do público, da imprensa local que já torcia por nós, o reconhecimento de que realmente mereciamos o que estava acontecendo, era cristalino, reafirmada nossa auto-confiança na mente de todos nós um só pensamento BRASIL.

Realizada uma "Reunião de Capitães" surgiu uma proposta do Capitão Feminino Francês para obrigar nossa Equipe a usar chumbos com garatéia com peso superior a 150 gramas, sob a alegação que nossas linhas desgarravam devido ao pouco peso de nossos chumbos, prejudicando adversários.

Com isso tentavam num golpe de mão neutralizar o Brasil pois, técnicamente seria impossível com nossas varas de 3,50 metros e linhas finas atuar com chumbadas desse peso e tipo, apropriadas para varas pesadas de 5 metros.

Escudados no regulamento não aceitamos siquer discutir o assunto, sendo apoiados pela direção da Mundial, pelos Capitães de todos os demais Paises e por todos os demais membros da organização que não eram favoráveis à alterar-se o princípio de que a escolha da linha, da vara, dos anzóis e dos chumbos são prerrogativas do pescador; pois, essa escolha é um dos fatores que determinam o bom conhecedor do ofício e o fazem Campeão.

Fomos para a Praia da cidade de Biarritz para a 4ª e última prova, diurna, a organização local incompreensivelmente dividiu a raia masculina em duas colocando metade dos concursantes numa praia a cerca de 01 km de distância da originalmente pactuada, separando os homens. Tivemos como Capitão masculino de optar pois não poderiamos dividir-nos e ficamos na Praia desconhecida de HIPODROME, junto com Pedro Elias e Roald Andretta; pois, tinhamos de vencer a ALEMANHA nossa adversária mais próxima que estava reforçada com dois atletas nessa Praia. Roald consegue superar o Alemão ao lado, Pedro Elias permanece sem peças fazendo tudo que pode, verificando o estilo de Roald e dos adversários com peixe orientamos Pedro Elias, que logrou capturar 1 peça superando o 2º atleta da Alemanha - O BRASIL na Praia de Hiopodrome VENCEU A ALEMANHA. Informações chegadas da Praia de Anglet (Biarritz) nos deram notícia da vitória sobre os restantes 3 atletas alemães, e, sobre a disparada de nossas mulheres sobre as adversárias.

Um Francês solitário no canto direito da raia faz seus lances sobre uma posição rochosa e consegue capturar 3 peças, a França sobe passa o Brasil, a Holanda sobe passa o Brasil, a Belgica que vinha quase sem chance sobre vencendo a 4ª prova, o Brasil fica em 4º lugar na prova.

A Seleção Feminina esmaga as adversárias, nosso BRASIL É CAMPEÃO DO MUNDO Feminino, restando apurar-se o Masculino.

Na praia, já escura choravamos todos da Delegação Brasileira, com a certeza de que nossa Pátria já era CAMPEÃ DO MUNDO, éramos todos um só BRASIL. Não existiam diferenças entre homens e mulheres, bem dentro do espírito de nossa Confederação que nunca admitiu tratamentos diferentes.

A noite, no Hotel em Biarritz, um jantar descontraido onde passadas as pressões todos os Atletas e dirigentes dos dez paises presentes confraternizam, trocam presentes e equipamentos, uma verdadeira torre de Babel onde a tônica comum foi o samba que teve início na mesa da Delegação Brasileira e contagiando à todos estendeu-se pela noite à dentro.

Em determinado momento, um membro da organização pede silêncio e anuncia o resultado das apurações, cabendo ao nosso BRASIL:

MASCULINO: Vice-campeão do Mundo por Nações; Individualmente:

  • EMERSON BALDI - 3º do mundo.

  • PEDRO ELIAS - 5º do mundo.

  • ROALD ANDRETA - 8º do mundo.

  • JULIO BRITO - 18º do mundo.

  • CARLOS GENS - 31º do mundo.

FEMININO: CAMPEÃO MUNDIAL POR NAÇÕES; Individualmente:

  • VILMA DOMICIANO - CAMPEÃ MUNDIAL.

  • TAMIKO MAGÁRIO - VICE-CAMPEÃ MUNDIAL.

  • ELIANA AUGUSTO - 3ª DO MUNDO.

  • DENISE LINDENMAYER - 4ª DO MUNDO.

  • NISE TOMASI - 8ª DO MUNDO.

REGISTROS ESPECIAIS:

  • EDUARDO BRACONY - Recebeu uma placa dedicada ao "Melhor Capitão do Mundial".

A Solenidade Premiação teve lugar no suntuoso CASSINO DE BIARRITZ em seu salão nobre, com a presença de destacadas autoridades governamentais Francesas, corpo diplomático, imprensa Européia em geral, cujas atenções eram sensivelmente dirigidas ao nosso BRASIL.

No palco do Cassino foi montado um "Podium" e quando nossas Seleções receberam os premios à que fizemos jus, no momento solene, em que de nossas costas subia em glória a bandeira de nossa Pátria, todos ao som de nosso Hino executado pelos Franceses, chorando de alegria cantamos em voz alta o mesmo, ocasião em que todos os presentes de pé davam vivas ao BRASIL, reconhecido como o grande vitorioso.

Recebemos o OURO, A PRATA, O BRONZE, os premios EXTRAS e a admiração e respeito dos adversários.

Oferecemos um belíssimo troféu para a Federação Francesa como homenagem à todos os que participaram dos mundiais, linhas Araty e Café do Brasil, que foram muito apreciados, dedicando nossa vitória aos abnegados atletas e dirigentes de todas as modalidades desportivas brasileiras que no mesmo período defenderam as cores de nossa Pátria nas Olimpiadas, em Seul, resgatando assim a imagem global do esporte amador brasileiro.

Retornando, inexistindo voos disponíveis em Biarritz, tivemos de viajar de ônibus até Bordeaux e daí de avião à Paris, fazendo escala para Londres e daí para o Brasil, onde desembarcamos no Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro na manhã de domingo, dia 09/10/1988, sendo recebidos unicamente por familiares de alguns; pelo Presidente de nossa Confederação e pelos representantes da CNA, do Clube Barracuda de Desportos e Marlim Clube de Pesca, registrando nessa oportunidade a insensibilidade da imprensa brasileira para com o desporto amador; pois, comunicada não se deu ao trabalho siquer de fazer-se presente ou noticiar a chegada e os resultados obtidos pela única representação pátria à conquistar OURO, PRATA e BRONZE para nosso Pais.

Registramos ainda que na Europa o Brasil continuava sendo manchete na imprensa e que nos enviaram diversos recortes, que anexamos cópia ao presente.

Registramos a dedicação acima e além do dever de todos os nossos Atletas, que com denodo prepararam-se e treinaram até a exaustão , para conquistar a final para nossa Pátria o mais elevado titulo desportivo de pesca, jamais conquistado por um País do Continente Americano, propondo para todos a concessão da Medalha do Mérito da CBPDS.

Rio de Janeiro, 18 de outubro de 1988.

 

EDUARDO PAIM BRACONY
Capitão - Chefe